Lembrar-me-ei das obras do Senhor; certamente que me lembrarei das tuas maravilhas da antiguidade. Também meditarei em todas as tuas obras, e falarei dos teus feitos.
Salmos 77.11-12
Querido leitor,
Chegamos à quarta semana da nossa jornada de oração - e, confesso, cada passo tem me edificado de forma profunda. Enquanto escrevo estas linhas, com minha xícara de café ainda quente entre as mãos, meu coração se encontra inundado por uma paz silenciosa. Daquelas que não vêm da ausência de ruído, mas da certeza de estar no caminho certo, sabe?
Este compromisso que assumi - com Deus e com você - é mais do que escrever. É permanecer. Permanecer na escuta, na Palavra, em comunhão.
Confesso que cada texto tem sido, para mim, mais do que produção - tem sido devoção. E cada prática, uma estrada aberta no meu interior.
Se você chegou até aqui, respire fundo. Há um tipo de constância que não depende de grandes feitos, mas de pequenos retornos ao lugar certo.
Acolha este lembrete: mesmo quando tudo oscila, o altar continua aceso. A oração continua sendo lugar de encontro. E o Pai, sempre presente - na minha e na sua história.
Vamos juntos?
Lembrança que paralisa, memória que redime
A alma é um campo vasto de lembranças. Algumas nos edificam; outras nos pesam.
A oração é o lugar onde Deus visita esse terreno, não para apontar nossos fracassos, mas para restaurar o que pode ser transformado em esperança. É o que Jeremias declara: “quero trazer à memória aquilo que me pode dar esperança.” (Lm 3.21).
Há dessemelhança entre lembrança e memória. A lembrança pode ser reativa, impulsiva, disparada por feridas antigas, sons, cheiros ou vozes do passado. Já a memória redentiva é espiritual - ela é iluminada pela graça e pelo Espírito. Ela nos reconduz às promessas, reposiciona as dores e reacende a esperança.
O salmista ciente disso escreve:
Lembro-me dos dias antigos; considero todos os teus feitos; medito na obra das tuas mãos.
Salmo 143.5
Aqui não há nostalgia. Há gratidão. E, sobretudo, adoração.
A oração como trabalho interior
Orar também é revisitar. Revirar gavetas. Exige entrar nos porões da alma - onde estão guardadas experiências mal resolvidas, perdas não assimiladas, vozes antigas que ainda ecoam. E sim, isso exige coragem.
Quando feito com o Espírito, torna-se cura. Porque ali, na intimidade da oração, essas vozes são confrontadas pela Palavra viva. Há ressignificação pela ressureição.
Jeremias chama isso de memória que dá esperança. Paulo chama de deixar para trás o que não deve mais nos prender:
Esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo.
Filipenses 3.13-14
Perceba que Paulo não anulava sua história, tampouco sofria de amnésia espiritual. Ele apenas sabia o que precisava ser lembrado, e o que precisava ser entregue à cruz.
A memória de Deus e o esquecimento redentor
Na Escritura, Deus “se lembra” não por lapsos, mas por misericórdia e graça.
Ele se lembrou de Noé, fez passar um vento sobre a terra e aquietaram-se as águas do dilúvio (Gn 8.1); de Raquel, e abriu sua madre (Gn 30.22); de sua aliança com Abraão, Isaque e Jacó (Êx 2.24).
A memória de Deus, portanto, não é passiva. É ato de fidelidade. O detalhe é que o mesmo Deus que se lembra, também escolhe “esquecer.”
[…] De seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais.
Hebreus 8.12
Quando oramos, entramos nesse lugar onde a memória de Deus se encontra com a nossa fragilidade. E é maravilhoso. Nos encontramos com esse Deus que lembra o amor e esquece a acusação.
Se Deus, que tudo pode lembrar, decide esquecer nossos pecados, nós, que tanto esquecemos o que importa, somos convidados a lembrar aquilo que nos dá esperança.
Redenção pela recordação
A oração é o lugar onde puxamos da alma o fio da graça.
É quando, em silêncio, recordamos a fidelidade de Deus, ainda quando éramos infiéis. Compreendendo que não foi a dor que nos sustentou, mas a mão d’Ele que nos sustentou na dor.
É por isso que a oração não pode ser apenas um canal de pedido. Ela deve ser, antes, um santuário de lembranças curadas. Onde revivemos, com lágrimas e fé, os altares que erguemos no caminho. O socorro que chegou antes do pedido. A fidelidade que permaneceu, mesmo quando a fé vacilou.
E talvez, orar seja justamente isso, olhar para trás com olhos curados e seguir adiante com o coração cheio de gratidão.
E como o salmista ensinou, “certamente me lembrarei das tuas maravilhas” - é esse o movimento de quem ora. Não negar o passado, mas medita nas obras do Senhor e proclama os feitos que curam e renovam.
Prática espiritual da semana - Curando pela memória
Durante esta semana, na prática devocional, propomos um exercício simples:
Separe um tempo de oração em silêncio. Leve papel e caneta;
Ore com Lamentações 3.21-26. Leia pausadamente;
Anote três memórias que hoje ainda lhe causam dor;
Em seguida, escreva três memórias em que percebeu a fidelidade de Deus;
Ore sobre as duas listas. Apresente-as ao Pai;
Diga com fé: “Senhor, quero trazer à memória aquilo que me dá esperança”;
Finalize agradecendo. Se sentir paz, compartilhe com alguém que caminha espiritualmente com você.
Na próxima semana
Avançaremos para o quinto texto da série: “Oração Contínua - Mais que Palavras, um Estado Existencial.”
Descobriremos que orar sem cessar não é viver falando, mas viver presente - com consciência contínua de que Deus está em nós, ao redor de nós e por meio de nós.
Até lá,
O Pai continua no secreto, esperando por nós.
Dei Gratia,
— Isaac Júnior
Ainda não leu os textos anteriores da série?
Esta é a quarta semana de uma série de sete textos sobre oração. Se chegou agora ou deseja reler os passos anteriores, aqui estão:
Texto 1 – Oração Redentiva:
Quando a esperança vence a razão
🔗 Clique aquiTexto 2 – O Pai em Secreto:
Onde a porta se fecha e o céu se abre
🔗 Clique aquiTexto 3 – Entrar na Comunhão da Trindade:
Orar com Cristo, por Cristo e em Cristo
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Deus te abençoe!